Extraordinário!
Pouco há a dizer ou, se calhar, há muito, mesmo muito para dizer... Porém, (re)viver momentos como os que aconteceram, na passada sexta-feira (6 de Março), no Teatro Sá da Bandeira é único. Quem lá esteve sabe bem do que falo.
Os Mão Morta mostraram estar num extraordinário momento de forma, tocando - arrisco-me a dizer - como nunca e, com um alinhamento histórico, souberam chegar ao público que encheu a velhinha sala portuense. Histórico, no sentido que cobriu os 25 anos de carreira do colectivo de Braga, que a plateia apreciou, mas...
A noite só não foi perfeita, porque o público não cumpriu na totalidade, não o seu dever, mas a sua obrigação!
Se a resposta a «Budapeste», segundo tema do alinhamento, depois de um «Ventos Animais» que abre todos os concertos da tour com o mesmo nome, se ficou por um esboço de agitação até é compreensível. É pública e notória a relação amor-ódio que os fãs têm com o tema, mas também a banda. Só em 2008 o tema foi recuperado em concerto e sempre com a apresentação de "maldito"...
Agora totalmente incompreensível e inaceitável é a falta de mosh quando se ouviu «E se depois», logo após «Tetas da alienação», dedicado à crise.
Para quem viu o arranque desta Ventos Animais Tour, em Barcelos, sentado e como que amarrado, o concerto do Sá da Bandeira apenas me confirmou as suspeitas desses concerto no Minho: a banda está a tocar como nunca, Adolfo a chegar ao meio século de vida numa forma (vocal e física) extraordinária e os Mão Morta soam muito melhor assistindo de pé.
Os complexos «Arrastando o seu cadáver», «Tu disseste» e «É um jogo» (com Adolfo a dançar, dançar, dançar) criaram o ambiente intenso e profundo que faltava à sala, para de seguida o concerto entrar num crescendo que só terminaria no segundo encore com «Oub'lá».
De «Nus» saiu «Gnoma» para espalhar a palavra que quem estava com dúvidas o rock'n'roll estava ali para ficar. Era caso para dizer: "Tem calma irmão/Que a morte está aí para todos nós/É coisa certa/Mais vale fazer da vida um festim/Canta antes dança/Que a vida não te surja mais ruim".
A partir daí, foi sempre a subir. Com «Em directo (para a teelvisão)» a massa humana começou a agitar-se não mais parando. Seguiu-se uma viagem alucinante até «Amesterdão», um poderoso «Penso que penso» e nova viagem, desta feita, até Barcelona.
O passado regressava e impunha-se expondo toda a qualidade de uma banda que tem sabido ao longo dos anos renovar-se, revitalizar-se... revigorar-se. Mas a grande maioria das almas presentes no Sá da Bandeira é quarentona ou anda por lá perto e o mosh, o crowd surfing, o rebuliço em frente ao palco é como na história de «Anarquista Duval»... "UMA MIRAGEM". E a verdade é que a interpretação de Adolfo e dos restantes Mão Morta merecia mais do público.
Um dos momentos em que a sintonia entre os dois lados do palco esteve mais evidente foi com o clássico «1º de Novembro». Sentado no palco, Adolfo canta: "Solidão, saudade/Romagens, romaria aos queridos defuntos/Carcaças abandonadas ao passado". A massa agita-se e canta a uma só voz.
A esta altura já nada podia parar a máquina. O público rendia-se finalmente, baixava a guarda e entragava-se à fruição do melhor rock que se faz em Portugal. «Quero morder-te as mãos», «Vamos fugir», «Lisboa» e «Cão da morte» levaram o concerto a ponto caramelo, numa alucinante corrida a fugir da... morte. "Morro Morro No altar de ti"... E foi ali mesmo que o concerto teve o seu epílogo.
Porém, após um brevíssimo descanso, Miguel Pedro, António Rafael, Sapo, Vasco Vaz, Joana Longobardi e Adolfo Luxúria Canibal regressaram ao palco, para oi encore que o concerto de Barcelos não teve.
«Anjos de pureza» retomou o concerto, no momento mais esquecido das últimas actuações da banda, seguindo-se dois temas incontornáveis. «Charles Manson» e «Anarquista Duval» levaram o público ao rubro.
A banda despede-se, as luzes acedem-se e toca música gravada. No entanto, o pessoal não estava para ir já embora. Faltava qualquer coisa!... E, revelando total sintonia com a plateia, os Mão Morta regressaram e, já fora do alinhamento, ofereceram «Oub'lá». Não podiam ter escolhido melhor tema para fechar um concerto que foi extraordinário.
Adolfo fez questão de justificar a excepção do segundo encore com o facto de ter sido o público do Porto que apadrinhou a estreia ao vivo dos Mão Morta. Foi no Orfeão da Foz, corria o ano de 1985.
Muito ou pouco, por mim, está tudo dito.