Quarenta dias volvidos e já no último ano da primeira década do século XXI, dou-me nova oportunidade, passadas quatro dezenas de dias de incerteza e um certo desânimo.
Ao som de «Death», dos White Lies, cujo álbum nunca mais chega - tem o dia 2 de Março como data de edição em Portugal -, discorro esta prosa, que mais não é do que mais uma tentativa para me manter vivo e com esperança no que aí vem.
Devo igualmente agradecer a Jandek, esse misterioso músico norte-americano que se estreou em Portugal no passado sábado, num concerto que marcou o início das comemorações dos 20 anos da Fundação de Serralves e os 10 anos do respectivo Museu.
Jandek teve o condão de atrair uma massa humana que lotou por completo o Auditório de Serralves, mas cedo pairou no ar a desilusão para muitos dos presentes. O concerto que se iniciou com sala cheia, terminou cerca de hora e meia depois com pouco mais de metade dos lugares ocupados.
É caso para perguntar a quem se levantou do que é que estava à espera, pois juntamente com a atraente sinopse biográfica do artista ("é a estreia em Portugal de um dos mais fascinantes e enigmáticos músicos contemporâneos, e uma das poucas oportunidades de ver uma apresentação ao vivo deste norte-americano do Texas, que raramente faz concertos ou dá entrevistas"), a informação era exacta: "Em Serralves, apresentar-se-á sozinho em palco, ao piano".
É certo que dos dois trechos interpretados por Jandek, o primeiro não era uma história feliz. Não, longe disso. O segundo já prepassava alguma esperança, mas o primeiro, e mais longo, não.
De facto, não é uma história feliz a que Jandek, em diálogo com o teclado, a única ebúrnea imagem que se vislumbrava em palco, narrou, em primeiro lugar, em Serralves.
Tons soturnos, melodias melancólias, a roçarem o depressivo, criando estados de alma tão díspares quantas as sensações transmitidas pelo pianista. Houve raiva, desilusão, alegria (fugaz), humor negro e uma variedade imensa de lugares, em tudo diferentes, que o público visitou pela(s) mão(s) de Jandek.
O texano entrou mudo e saiu calado. Num palco pouco iluminado, Jandek entrou com passo seguro, enquanto colocava o chapéu na cabeça. Sentou-se ao piano, tirou o relógio, que colocou sobre o piano, e desfiou duas peças, num concerto que foi um recital de piano, em que Jandek interpretou Jandek.
Misterioso? Sem dúvida, nem a cara lhe vi. Consegui ver-lhe o rosto já noite dentro no hall do Passos Manuel de onde, diga-se, o norte-americano não passou. Vá-se lá saber porquê?!... Quando se é estranho e misterioso, é-se até ao fim.
Musicalmente, eu estava com o estado de alma certo para ouvir Jandek num registo tão erudito. Por isso, mais do que gostar, soube-me bem ouvir Jandek desfrutar do piano. Entre momentos de melodia e lucidez, Jandek ofereceu experimentalismo e improviso q.b. numa sucessão bastante lógica de acontecimentos, em que os estados de alma (sempre eles!) variaram consoante o tom, o ritmo e a disposição.
Sou sincero: não sei se o iria ouvir outra vez, mas guardo o que ouvi naquele canto do sótão em que estão as boas memórias...
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