quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Apetece-me escarrar neste País


Bendita doença a que me atacou nos primeiros dias do novo ano! Bendita seja!
À sua conta ando, desde então, com farta libertação de expectoração. E, sim, apetece-me escarrar neste País.
Convocado por carta registada para comparecer hoje, pelas 15h00, no Centro de Emprego, qual não é o meu espanto quando tomo conhecimento da razão da minha convocatória. Porque não me apresentei na Junta de Freguesia no dia 17 de Novembro, data limite da convocatória, mas apenas no dia seguinte, fui chamado ao Centro de Emprego para me ser entregue uma ADVERTÊNCIA POR ESCRITO.
Mas que País é este? "Não me leve a mal", comecei por dizer à funcionária, "mas vocês chamaram-me aqui, simplesmente, para me entregarem uma advertência por escrito, não para me propor um emprego?".
Então não me tinham enviado logo a advertência em carta registada, em vez da convocatória?! Por isso, apetece-me escarrar neste País.
Já não basta ter que fazer apresentações periódicas na Junta de Freguesia, qual criminoso que tem que se deslocar frequentemente aos postos policiais. Enquanto isso, quem, à má-fé, me colocou nesta situação e me deve muito dinheiro, anda(m) por aí a assobiar para o lado, sem que ninguém lhe(s) deite a mão, sem que ninguém faça nada. Esse(s) não eram apresentações periódicas em lado nenhum. O lugar dele(s), à quantidade de falcatruas, é na cadeia. Mas não. O nosso País persegue quem não tem poder, dinheiro e influência. Por isso, apetece-me escarrar neste País.
Questionei, então, a funcionária da possibilidade de fazer formação. "Sabe, as nossas formações não são para licenciados", respondeu.
Não posso fazer formação pelo Centro de Emprego, porque tenho estudos; não estou abrangido por uma data de incentivos ao emprego, porque não sou desempregado de longa-duração, já tenho 40 anos e 15 de profissão para poder ser estagiário ou candidato a um primeiro emprego e já tenho 40 anos e não 45, como exige um dos requisitos desses mesmos incentivos.
Que raio de País é este?...
Ah, e mais um atraso e sou excluído do lote dos que recebem a prestação social.
Apetece-me escarrar neste País!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Até sempre, Aguardela


A música portuguesa está mais pobre. Com a morte prematura de João Aguardela, aos 39 anos (fazia 40 em Fevereiro) o País vê desaparecer um músico que muito contibuiu para a afirmação da música portuguesa.
Em projectos como os Sitiados, Megafone, Linha da Frente, ou mais recentemente A Naifa, Aguardela colocou toda a sua mestria de compositor ao serviço da música.
Recordo o concerto d'A Naifa, no ano passado, no Theatro Circo, em Braga, como algo de deslumbrante e magnífico.
Mais palavras para quê, era um artista português, que cantava a portugalidade como poucos.
Até sempre, Aguardela!

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Para cada som há uma imagem



Três noites, quatro espectáculos de lotação esgotada.
Local: TeCA - Teatro Carlos Alberto (Porto). Dias: 8, 9 e 10 de Janeiro de 2008. Espectáculo: Zoetrope. Intérpretes: Rui Horta feat. Micro Audio Waves.
Sábado à noite, 23h30, segunda sessão de Zoetrope, no TeCA. C. Morg está no meio do palco, teclado à frente, pose imóvel, olhar no infinito. Tinha sido dado início à contagem decrescente, bem visível nos três écrans que contornam o palco, dos nove minutos que dura o interlúdio que cria o ambiente de recepção ao público. Paulatinamente, a luminosidade na sala vai ficando reduzida até à quase escuridão, à medida que os demais artistas entram em cena. Com a plateia repleta e as portas de acesso à sala fechadas, em palco estão C. Morg, ladeado por Francisco Rebelo (baixo) e Flak (guitarra e teclados) quando se dá uma explosão de som e luz branca direccionada ao público. Há quem estremeça na cadeira!...
O Zoetrope começava a funcionar. O espectáculo estava lançado.
Zoetrope nasce da união de esforços entre Rui Horta, responsável pelo trabalho de conceptualização do espectáculo, ao mesmo tempo que dirige a iluminação e a produção multimédia, e os Micro Audio Waves (MAW).
Zoetrope é um título que apela para o movimento, e este é um espectáculo que movimenta. Da fabulosa, mais uma, criação musical dos MAW, junta-se-lhe um espectáculo multimédia, repleto de cor e luz, manipulado ao vivo e de grande interacção com o público. As flashadas luminosas, autênticas descargas de luz, iam alertando a plateia que era real o que à sua frente se passava.
Em Zoetrope surge mais um punhado de grandes temas. Impregnados de ADN da banda, trazem algo de novo à sonoridade dos MAW. Momentos de fantasia e outros de exaltação podem ser experimentados, num espectáculo em que o movimento é uma constante. Para cada som há uma imagem.
«Electric storm», «Cartoon real», «Hubble to Bubble», «Sunshine Sunlight», «Spooky», «Walk in line», «Dave», «Speeding ball», « Belém», «Statement» e «Uncanny» são os novos temas que compõem a banda-sonora de Zoetrope.
"Estamos a trabalhar sobre a ideia de zoetrope, a máquina que consegue animar movimento. As imagens sucedem-se, começam a acelerar até à velocidade de 24 frames por segundo e, de repente, as imagens seccionadas transformam-se numa imagem em movimento", referiu antes da estreia Rui Horta sobre o espectáculo que estreou no Porto, já que em Moscovo a actuação foi mais estilo concerto, com paragens entre temas, o que não aconteceu na Invicta. 
«Long tongue», que valeu a Cláudia Efe, Flak e C. Morg (mais) um Qwartz Award em 2008, é a única peça antiga colocada em Zoetrope. Fecha o espectáculo de uma forma elegante, melodiosa... linda. A tranquilidade do tema extravaza os cânones da beleza. A limpidez sonora, aliada à intervenção multimédia e luminosa, torna o momento raro do ponto de vista estético.
Extraordinário! Ao longo do concerto, nos três écrans eram projectadas imagens manipuladas ao vivo, sob direcção de Rui Horta, também encarregue das luzes. Gravadas ou captadas no momento por Cláudia Efe através de uma pequeníssima câmara, levando dessa forma também o público para o palco, para cada som há uma imagem.
O quarto espectáculo foi uma sessão extra, tal a procura para as três anteriores exibições. Mas quem assistiu deu por bem empregue o tempo. A banda mostrou-se segura, consistente e criativa como sempre, partilhando o sentimento de satisfação por uma actuação mais bem conseguida do que uma das outras anteriores.
A voz dos Micro Audio Waves tem neste Zoetrope um papel fundamental pelas exigências cénicas do espectáculo. Sempre deslumbrante, qual pluma esvoaçante, Cláudia sobrevoa o palco como se de uma das projecções se tratasse.
O lote de novos temas - que (ao que parece) não vão dar um álbum, mas um DVD a ser gravado na próxima exibição que acontece, dia 19 de Fevereiro, na Culturgest, em Lisboa - é mais um passo em frente na criação dos Micro Audio Waves. A banda volta a superar-se.
Por tudo isto, é um espectáculo a não perder. Dia 28 vou tentar ver novamente no Centro Cultural Vila Flor, nessa maravilhosa cidade do Minho devoto de nome Guimarães.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Jandek by Jandek


Quarenta dias volvidos e já no último ano da primeira década do século XXI, dou-me nova oportunidade, passadas quatro dezenas de dias de incerteza e um certo desânimo.
Ao som de «Death», dos White Lies, cujo álbum nunca mais chega - tem o dia 2 de Março como data de edição em Portugal -, discorro esta prosa, que mais não é do que mais uma tentativa para me manter vivo e com esperança no que aí vem.
Devo igualmente agradecer a Jandek, esse misterioso músico norte-americano que se estreou em Portugal no passado sábado, num concerto que marcou o início das comemorações dos 20 anos da Fundação de Serralves e os 10 anos do respectivo Museu.
Jandek teve o condão de atrair uma massa humana que lotou por completo o Auditório de Serralves, mas cedo pairou no ar a desilusão para muitos dos presentes. O concerto que se iniciou com sala cheia, terminou cerca de hora e meia depois com pouco mais de metade dos lugares ocupados.
É caso para perguntar a quem se levantou do que é que estava à espera, pois juntamente com a atraente sinopse biográfica do artista ("é a estreia em Portugal de um dos mais fascinantes e enigmáticos músicos contemporâneos, e uma das poucas oportunidades de ver uma apresentação ao vivo deste norte-americano do Texas, que raramente faz concertos ou dá entrevistas"), a informação era exacta: "Em Serralves, apresentar-se-á sozinho em palco, ao piano".
É certo que dos dois trechos interpretados por Jandek, o primeiro não era uma história feliz. Não, longe disso. O segundo já prepassava alguma esperança, mas o primeiro, e mais longo, não.
De facto, não é uma história feliz a que Jandek, em diálogo com o teclado, a única ebúrnea imagem que se vislumbrava em palco, narrou, em primeiro lugar, em Serralves.
Tons soturnos, melodias melancólias, a roçarem o depressivo, criando estados de alma tão díspares quantas as sensações transmitidas pelo pianista. Houve raiva, desilusão, alegria (fugaz), humor negro e uma variedade imensa de lugares, em tudo diferentes, que o público visitou pela(s) mão(s) de Jandek.
O texano entrou mudo e saiu calado. Num palco pouco iluminado, Jandek entrou com passo seguro, enquanto colocava o chapéu na cabeça. Sentou-se ao piano, tirou o relógio, que colocou sobre o piano, e desfiou duas peças, num concerto que foi um recital de piano, em que Jandek interpretou Jandek. 
Misterioso? Sem dúvida, nem a cara lhe vi. Consegui ver-lhe o rosto já noite dentro no hall do Passos Manuel de onde, diga-se, o norte-americano não passou. Vá-se lá saber porquê?!... Quando se é estranho e misterioso, é-se até ao fim.
Musicalmente, eu estava com o estado de alma certo para ouvir Jandek num registo tão erudito. Por isso, mais do que gostar, soube-me bem ouvir Jandek desfrutar do piano. Entre momentos de melodia e lucidez, Jandek ofereceu experimentalismo e improviso q.b. numa sucessão bastante lógica de acontecimentos, em que os estados de alma (sempre eles!) variaram consoante o tom, o ritmo e a disposição.
Sou sincero: não sei se o iria ouvir outra vez, mas guardo o que ouvi naquele canto do sótão em que estão as boas memórias...