sábado, 28 de fevereiro de 2009

Instantes da vida e... da morte


Palermo Shooting, o novo filme de Wim Wenders, teve estreia nacional, ontem, no Rivoli, integrado na 19.ª Semana dos Realizadores do Fantasporto.
O próprio realizador alemão apresentou a obra, sendo obviamente ambíguo, brincalhão com as palavras - como aliás o é nos filmes -, enfim, enigmático q.b..
"O filme... sabem onde é, Palermo; sbaem o que se passa, disparos (shooting)", começou por dizer, acrescentando: "Já vi o filme várias vezes em diferentes países e vi muita gente a ser atingida, ou a encolher-se dos disparos". 
"Não se esqueçam que vou estar a observar-vos", despediu-se, depois de dar um conselho: "Se não forem atingidos ou não se encolherem é porque não estão dentro do filme. Têm que entrar no filme".
Entre a vida e a morte, Finn, o fotógrafo profissional interpretado por Campino, balança, estremece, sonha, vive e dispara (a sua máquina), enquanto a morte, representada por Dennis Hopper, o tenta atigir com disparos de setas... inexistentes. Qual flash!
O confronto de shootings, que decorre na cidade italiana de Palermo, não são mais do que a mais uma viagem criada por Wenders numa zona da existência humana que tantas dúvidas levanta e outros tantos cenários encontra.
Como também já nos habituou, o germâncio, que assina o argumento, produção e realização, prima na banda-sonora. Lou Reed (que aparece na tela em forma de espírito), Grinderman (de Nick Cave), Calexico, Portishead, Beirut e Thom Yorke são alguns dos nomes cujas criações compõem o cenário sonoro do filme. Porém, na parte final é clássica a música que se ouve.
Nas duas horas de entre a vida e a morte de Palermo Shooting, Wim Wenders shoots: A vida é para se viver.
É que a morte está ali ao virar da esquina. "Eu faço tudo como se fosse a última vez", sustenta um pastor improvisado, que o é apenas por deleite pessoal, que se cruza com o protagonista, ainda na Alemanha.
A beleza da vida é encarnada pela bela Flávia (Giovanna Mezzogiorno), alguém que compreende Finn e se debate com a morte de uma outra forma. O fresco A Vingança da Morte, numa igreja na cidade portuária onde a acção decorre, é o seu trabalho e que valeu a morte ao antigo namorado. Com ela o fotógrafo faz a viagem pelo purgatório, acabando, no entanto, por se salvar.
A vida é assim... à espera da morte!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

"Quem mas fálias, págalias"



É treta de princípio ao fim... Mas treta que toca em pontos fundamentais do quotidiano dos portugueses. E é com verdadeira conversa da treta que Zezé e Toni abordam problemas que preocupam a todos, ou pelo menos deviam preocupar.
Em «A Verdadeira Treta», os actores José Pedro Gomes e António Feio brilham ao mais alto nível, aliás como já tinham habituado o público nos outros espectáculos e filme em que as personagens Zezé e Toni se mostraram ao Mundo.
A conversa entre as duas personagens é de uma riqueza fabulosa, com trocadilhos simples e subtis, mas de uma inteligência incrível, nunca caindo na piada fácil do sexo, ou do palavrão. Aliás, palavrões é algo que em quase duas horas de espectáculo não se ouve, nem sequer se deduz. Já referências ao sexo são de um brilhantismo assombroso, como quando Toni exulta com o facto de "molhar o pão na molhonga", referindo-se a um qualquer prato culinário à espanhola, enquanto Zezé falava de "Nereida, a espanhola".
Aliás, a conversa de surdos é frequente, com uma personagem a falar de alhos e a outra de bugalhos.
O dia-a-dia deste cantinho à beira-mar plantado é o «leit-motiv» de toda a conversação entre as duas personagens, desde a ASAE - "se a ASAE investigasse a ASAE, fechava a ASAE" -, professores versus Ministério da Educação - "se apanhava a ministra dava-lhe um chapadão" -, a crise na mesma Educação - "dantes os professores é que batiam nos alunos", recordando a antiga professora Camélias... -, ou ainda a temática do Ambiente.
"Reclicagem?"... "Se não te mexeres já ajudas o Ambiente, Zezé", diz Toni.
As "energias alternativicas" foram bastante abordadas por Zezé e Toni, que explicaram aos presentes que "as ventoinhas" que estão espalhadas pelo País servem para "arrefecer as auto-estradas", daí o nome do concessionário das mesmas: Brisa. Brilhante!
O público que quase lotou o Coliseu do Porto deliciava-se com a sucessão de dislates proferidos por Toni e Zezé, alguns que não o são assim tanto, mas também pela representação. As duas personagens, dois verdadeiros cromos deste Portugal, têm pequenos gestos que provocam gargalhadas incontroláveis na plateia. Pessoalmente, dei por mim muitas vezes a verter lágrimas... Extraordinário.
«A Verdadeira Treta», tal como as anteriores aparições de Zezé e Toni, vive muito dos pontapés na gramática e no vocabulário. Brincar com a língua como estas duas personagens fazem - tal como outro duo explora esse manancial de forma exemplar, como é a dupla que apresenta o «Tele Rural», na RTP1, Quim Roscas e Zeca Estancionâncio - é algo de estupendo, revelando toda a riqueza, não só da língua, mas igualmente do povo que lhe dá alma.
Atropelar a Língua de Camões como a dupla o faz conduz apenas a um único lugar: à gargalhada!
Até porque como Zezé notou: "Quem mas fálias, págalias!".
Assistir ao tratamento que eles dão à Língua, referindo-se, por exemplo, ao "desacordo ortográfico", que rapidamente passou a ser "desacordo ortopédico", simplesmente porque cortam os Pês (pés), como fizeram ao Batista, foi brilhante...
«A Verdadeira Treta» são quase duas horas de disparates, trocadilhos e mal-entendidos que mantêm o espectador em estado de gargalhada permanente. 
Fotos de Luís Rocha Graça     

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

We are the Kaiser Chiefs

Foto: Luís Rocha Graça

Os britânicos Kaiser Chiefs são, de facto, um portento em palco.
Ao vivo a banda transfigura-se e agiganta-se de tal maneira que o público é automaticamente contagiado pela energia, não só dos temas, mas também pela atitude do vocalista Ricky Wilson.
Na estreia em nome próprio em palcos nacionais, no passado sábado perante um Coliseu do Porto particamente cheio, os Kaiser Chiefs confirmaram tudo o que os portugueses já sabiam e tinham visto deles nos festivais por onde passaram em Portugal.
A forma efusiva com que os nortenhos receberam os ingleses provou que o quinteto tem uma vasta legião de fãs entre nós e ele soube corresponder.
«Everyday I love you less and less», o segundo tema da noite e um dos hits do álbum de estreia da banda, levou a plateia ao rubro, com Ricky Wilson - um verdadeiro animal de palco - a liderar as hostes, de ambos os lados do palco.
Conquistado o público, os Kaiser Chiefs, fruto de um alinhamento bem construído e recorrendo a todo o repertório da banda, compilado em três álbuns - «Employment (2005), «Yours Truly, Angry Mob» (2007) e o recente «Off With Your Heads» (Outubro de 2008), razão desta passagem pelo nosso País -, mantiveram o Coliseu em alta temperatura durante a quase hora e meia em que actuaram.
Com os temas mais roqueiros os Kaiser Chiefs conseguem tornar a coisa bastante estimulante e Ricky Wilson contagia o público de uma forma impressionante, não só pela energia das canções, mas igualmente pela própria, que parece inesgotável. Porém, houve momentos no concerto bastante «lights», fruto das canções mais (brit)pop do colectivo de Leeds.  
«Ruby», «Good days, bad days», «Na Na Na Na Naa», «Angry Mob», «Never miss a beat» e «I predict a riot» foram alguns dos temas que levaram o público ao delírio total.
Aliás, a empatia entre os dois lados do palco foi de perfeita loucura em diversas ocasiões, com o público, por vezes incentivado por Ricky Wilson, outras não, a cantar desalmadamente, colorindo ainda mais os excitantes e apoteóticos momentos do concerto.
Verdadeiramente extasiante foi a altura em que o vocalista saiu do palco e subiu para a tribuna, com a banda a interpretar «Take my temperature». E diga-se que a temperatura, no Coliseu, em geral, e em cada corpo presente no mesmo, em particular, era elevadíssima e até mesmo delirante. Contagiado por dois jovens, em tronco nu, que mergulharam da tribuna na massa humana das primeiras filas da plateia, Ricky Wilson imitou-os e num «tribuna diving» destemidofez ainda um pouco de «crowd surfing» até ao palco, que levou o público ao desvario total. 
Foi o clímax de uma noite que teve ainda no tema que fechou o concerto, «Oh my God», a despedida ideal, com público e banda em pefeita sintonia e apoteose.
Ricky Wilson, Andrew Whitey (guitarra), Nick Peanut (teclados), Simon Rix (baixo) e Nick Hodgson (bateria) estão de parabéns pelos momentos fantásticos que proporcionaram ao público presente no Coliseu do Porto.
Bem, no final Nick Hodgson, dirigindo-se à plateia, afirmou: "Vocês foram o melhor público que encontrámos até hoje nesta digressão". Sintomático.